quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

João e Maria

Um homem e uma mulher se apaixonaram. Bem, ao menos era isso o que transparecia. Mas nem um nem o outro mostravam quem realmente eram. Colocavam máscaras e máscaras o tempo todo. O tempo todo estavam maquiados, tudo por defesa própria. Numa madrugada inesperada, a máscara do homem se derreteu com lágrimas que o mesmo derramou. Elas purificaram o sentimento dele. Ele fora real. Ele fora sincero. Ele havia se drogado para isso. A droga fora tão poderosa, que nem ele conseguiu se esconder daquilo que era. Pois nessa madrugada as máscaras caíram, e os dois se apaixonaram ainda mais.

Os dias se passavam e o sentimento era construído. Mas que pena, pois era construído às cegas. Por não enxergarem um ao outro, não conseguiam ver o sentimento aos olhos nus. Ao poucos, eles espiam a luz do dia por de baixo do forro que colocaram em seus rostos, que tapam justamente suas reais facetas, sinceras, nuas, inteiras, despidas, grandiosas, erradas, amargas e contraditoriamente doces. Pois todos tem seu amargo. No mais profundo âmago há amargo que nós mesmos não mostramos, para não amargar o outro. Contaminação. O mundo precisa de contaminação. Precisa se contaminar com os amargos dos âmagos.

E a mulher viu isso. A mulher queria ser intoxicada. Intoxicada pela droga, que não necessariamente a própria droga, mas a droga interior do ser. Ela queria que cuspisse nela, o doce do amargo mais nu possível. E ela não exigiria menos que isso o dia que experimentasse. Uma vez indo em direção ao fundo do ser, não há mais como ficar na superfície. Por mais que o toque da pele seja doce, suave, quando se invade o amargo das entranhas, não há mais vontade de estar no raso. E quando se olha com o canto dos olhos à luz do dia a verdadeira face, não existe vontade que perdure para olhar ao falso escuro.

O verdadeiro é a essência do mundo. A verdade nos aproxima uns dos outros, conseguindo expandir nosso próprio mundo ao mundo do outro. E entrar em conexão. Nunca enxergaremos como o outro enxerga. Mundos são únicos e o modo como eles existem em nossas próprias cabeças não poderão ser reproduzidos nunca com cem por cento de fidelidade. Mas, a partir do momento que nós tentamos olhar com a alma, o mundo do outro se torna mais fácil de ser visto e, consequentemente, entendido.

Pois derrame tuas lágrimas que derreterão a maquiagem. Nossos braços estão atados por nós mesmos e só o coração, ao mandar a alma chorar, poderá desfazer o falso. Mostrando assim o mínimo daquilo que consideras como verdade.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

À noite, nem todos os gatos são pardos.

Abram as cortinas. Venha assistir a peça comigo hoje a noite. Nela, nem todos os gatos são pardos. O que tu enxergas é diferente do que enxergo. A noite, coloco meus bigodes em busca de caça. Meu par de orelhas peludas escutam muito mais do que podes escutar. Vejo as cores do mundo, numa noite contraditoriamente preta e branca. Andarei por lugares que tu jamais poderás ir. Pois te transforma em felino ao cair da noite! E Lembre-se - nem todos os gatos são pardos. Andaremos por lugares fascinantes, de cabeça pra baixo na órbita do mundo. Hoje à noite eu sou um gato. Mas não sou qualquer gato, nesse teatro eu sou mais que pardo. Eu sou feito de estrela e galáxias, sou matéria que você jamais poderá imaginar. Sou ator nesse teatro que eu mesmo assisto, irrealmente verdadeiro. Hoje à noite, abram as cortinas! Pois nós gatos seremos aquilo que quisermos ser.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Entrelaços sem nós

Não sou mais o que era que aqui digo que sou. Pois jamais fui algo que deveria ser. Já não sei mais quem sou. Pois tu perdes tuas identidades, a procura do que é. Nada mais deve ser do que simplesmente não ser. O que é o que se é? Tu te tornas algo, a partir do momento em que pertencer a liberdade. Pois ela é o casulo da alma e nela pousamos o que nos faz mover, contraditoriamente pertencida e liberta. Me mova em direção a algo para que eu possa me prender. Me mova em direção a algo que eu possa fazer parte, pois minha alma já não cola mais em mim, por livre escolha.

(Escrito em 6 de janeiro de 2012)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Todas as vaidades do mundo...

Acenda a alma do corpo, acenda a arte no caos. Faça do caos a arte. Tuvives arrastando, fazendo promessas que irão se partir junto ao vento. Voa-te livre, sem pensar ou olhar para trás. Desfaça-te da maquinagem, da maquiagem, desfaça-te das intrigas, desfaça-te da gula. Se entregue os olhares - e que sejam puros ao serem vistos. De sonhos o peito se enche, da arte e do romance somos feitos sem piedade ou dó. E assim ir-te-á, trilhando o caminho traçado ou quiçá o caminho que ir-te-á traçar. Fazendo dos pés no chão tua senteça até a morte. Assim, vai-te! Sem carregar as vaidades, sem pesar ao andar, indo na leveza - pois que seja pureza a alma. E sem mais nem menos, se vá. Mas volte! Assim com os sonhos no bolso e as vaidades de fora. Pois a morte reduz a cinzas todas as vaidades do mundo.

domingo, 8 de abril de 2012

Sem mais delongas, ele está em algum canto

Quando se trata de possibilidade, não existe um ponto. Existem apenas vírgulas, ponto e vírgulas, duvidosas reticências. Coexistem no infinito do tudo e vai até o nada – e assim do nada de novo até o tudo. São meras cartas jogadas na mesa do acaso ou, se assim preferes chamar, na distinta mesa do destino, sempre pronta, confortável. Inerte.

Se existe acaso ou se existe destino, o que deves enxergar, assim sem delongas, é que existe um curinga sempre à mão. Na teia de possibilidades há sempre um curinga te espreitando. Porém somente teu canto dos olhos o enxerga. Já pensaste em usá-lo na partida do jogo?

Pois o curinga não é um escarnio: ele caminha fiel no tear infinito do tempo. No tear que foi sempre teado e sequer deixará de sê-lo. Nele as possibilidades existem e coexistem, num passado distante, no futuro que já aconteceu. No presente é tudo ou de uma vez nada é. Ele é um equilibrista se divertindo pelos fios. Escolha-o que não precisarás dar a próxima jogada. Cada carta é um mundo. Mas na mão há sempre um curinga. Basta olhar com atenção.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Where Is My Mind? (Pixies)

Sua cabeça vai surtar,
Mas não há nada lá dentro
E você vai se perguntar:
Onde está minha mente? 

segunda-feira, 19 de março de 2012

O tempo que foi é o tempo que fica

Amargura sem fim, ocasionada por traços do tempo, se misturam em mim. Vejo tudo que passou. Me seguro pelas mãos. Dou o primeiro passo de vida, a primeira respiração ofegante, sem pretexto do porque de estar. Tiro minhas conclusões, da renda da alma. Em meu chão, pego as pedras de lembranças. São os corações conquistados, partidos, estabilizados. Que apenas ficaram na soleira da porta. Ainda quando sem luxo, sem o vigor, sem o cuspe de barro, nas estrelas eu encontrava o mundo, via o desconhecido. Que me tirava o folego e fazia transparecer no escuro. Nada mais do que aquilo que nunca vi.
Questões sem fim, nos meus infinitos mundos, dos meus infinitos personagens, que são somente de um mundo só.

O tempo que passa, é o tempo que fica. O tempo vai, permanece, para,
Corre.
Corra!
Ele é um só.

(Escrito em 22 de abril de 2011)